A corrida por influência na reforma tributária precisa ser qualificada e republicana

24 de janeiro de 2024

Como passamos mais de 30 anos debatendo uma proposta de reforma do sistema tributário brasileiro, a promulgação da PEC 45/2019, no fim de 2023, foi objeto de merecidas celebrações. Passado esse momento de exaltação, voltamos agora ao trabalho. A emenda constitucional, afinal, é muito mais um ponto de partida do que uma linha de chegada. Seu texto já anuncia o compromisso que teremos nos próximos meses ao dar o prazo de 180 dias para que o Executivo encaminhe ao Congresso os projetos de regulamentação. 


No dia 12 de janeiro, o Ministério da Fazenda publicou a Portaria que institui os grupos técnicos responsáveis pela elaboração dos anteprojetos de lei que vão regulamentar a reforma tributária. São 19 grupos, divididos por áreas temáticas e compostos por representantes da União, dos estados e dos municípios.  


Esse ato inaugura uma nova fase na empreitada de modernização do sistema tributário brasileiro. Assim como aconteceu durante a tramitação da proposta na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, esse momento enseja a atuação política de diferentes grupos no sentido de buscar espaço para seus interesses nas normas infraconstitucionais. Esse movimento deve ser ainda mais intenso que o registrado na discussão da PEC, porque naquele momento muitos setores e entes federados não acreditavam na possibilidade de aprovação da reforma e não participaram de sua construção ou chegaram tardiamente no debate. Agora, com a proposta aprovada, não há mais dúvidas sobre o sucesso político da reforma. 


Diante dessa nova corrida por interesses setoriais, o que pugnamos, como operadores do sistema tributário, sobretudo da base de consumo – objeto da reforma em tela –, é que haja um compromisso, por parte da sociedade e do governo, de que essa ação seja guiada pelos ideais republicanos e orientada pela boa técnica. 


Como forma de induzir a construção qualificada e de subsidiar a sociedade com informações relevantes sobre o sistema tributário, vamos intensificar nossa participação no debate público, com duas importantes ações: a reativação do Movimento VIVA e a realização de um seminário sobre a reforma tributária que, com o apoio da Embaixada da Espanha, fará uma análise comparativa entre os modelos do Brasil e da Europa. 


O Movimento VIVA é uma articulação criativa proposta pelo visionário Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo, José Roberto Soares Lobato (in memorian). O projeto, que começou a ser concebido em 2015 e seguiu ativo até 2020,  foi fruto, nesta primeira fase, de uma parceria entre a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo (Afresp) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).O Movimento partiu do diagnóstico de que a aguda crise vivida pelo Fisco Paulista à época decorria de uma crise maior, do sistema tributário brasileiro. Assim, a iniciativa conduziu debates, workshops e seminários sobre os modelos de tributação e de administração tributária mais adequados. Desse Movimento surgiram articulações e propostas que foram valiosas para permitir uma participação ativa dos Fiscos Estaduais no atual debate sobre a reforma tributária.


Foi neste movimento, por exemplo, que o atual Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, que à época estava à frente do Centro de Cidadania Fiscal, tomou conhecimento do mecanismo de cashback, incorporado à emenda constitucional. Essa ideia de devolução personalizada do imposto foi desenvolvida pelo Auditor Fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul, Giovanni Padilha, em sua tese de doutorado defendida na Espanha. Integrante da Comissão Técnica da Febrafite - Associação Nacional de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais, entidade que também participou do Movimento Viva, Giovanni teve sua metodologia difundida entre importantes agentes políticos por meio dessa articulação entre auditores fiscais, sociedade civil, autoridades políticas e acadêmicos. 


A implementação de uma boa reforma tributária é tarefa árdua e complexa. Precisa ser feita a muitas mãos porque seus resultados impactam diretamente diversos segmentos da sociedade. É, portanto, natural que haja interesse dos setores em atuar na construção do texto, mas é fundamental que essa atuação seja qualificada, que leve em conta os insumos técnicos e não deixe interesses individuais contaminarem o compromisso com a justiça fiscal e a melhoria do ambiente de negócios. Nós, auditores fiscais das receitas estaduais, estaremos vigilantes na defesa dos interesses coletivos e atuantes na produção e difusão do conhecimento sobre o que há de mais moderno no mundo sobre sistemas tributários.

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